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Foto do escritorGenival Dantas

Da Asa Branca até Tareco e Mariola



Foi em 23 de junho de 1973, lembro-me com muita lucidez, peguei o caminho em direção a São Paulo, por questões outras tive que largar, em Recife/PE, trabalho, estudos, namorada, hoje esposa, e como muitos nordestinos que vieram arriscar a sorte no Sudeste brasileiro. Enquanto o ônibus seguia eu observava pelas Janelas fogueiras queimando, pessoas festejando aquela noite, véspera de São João, tão importante para o nordeste brasileiro.


Na proporção que a viagem seguia as cidades iam ficando para trás, a estrada fica escura, na sequência outras luzes surgiam de outras cidades, as casas à beira da estrada sempre embandeiradas e fogueiras em brasas formavam um quadro desolador para quem seguia em direção ao desconhecido mundo da aventura, o silencio invadia o ambiente interno, as lembranças se misturavam e transbordava a capacidade da mente de armazenamento.


Depois de 46 anos aquelas lembranças se transformaram em questionamentos, distante do Nordeste, não mais voltei, algumas vezes por lá passei apenas para visitar parentes e amigos que por lá deixei. Dentro do apartamento, entre paredes frias, no escritório onde mantenho o hábito de ouvir meus discos, fitas e CDs, além dos livros de leituras obrigatórias, sinto a sensação que o tempo passou de um jeito mais lento e cruel, nesse espaço, no imaginário, há um cheiro de derivados de milho verde com as cores das bandeirolas e o som das músicas que repasso.


Como sou um conservador cultural, mantenho meus LPs preferidos, já não são tantos quantos havia antes, muitos foram levados por empréstimos e não devolveram isso são coisas nossas brasileiros desatentos, restaram 263 unidades e uma quantidade enorme de fitas e CDs. Saboreio uma fatia de bolo de milho verde com erva-doce, adoçado com banana, as lembranças ficam mais aguçadas, faço uma reflexão musical de todos esses anos:


Muitos foram os cantores e compositores que colaboraram com a música nordestina, dividida entre, xote, baião, forró pé de serra, xaxado e até mesmo o novo forró universitário. Farei alusão sucinta apenas a poucos artistas que engrandeceram o mundo musical desses ritmos, dentre eles e elas destaco - Luiz Gonzaga do Nascimento, Luiz Gonzaga, rei do baião, pernambucano, nascido em 1912 e falecido em 1989, o maior contribuinte da MPB nordestina, passando por diversos ritmos.


Considerado o maior artista nesse segmento musical, divulgou e manteve a tradição da sanfona, triângulo e zabumba, como acompanhantes em shows, verdadeiras orquestras simplificadas, mas de grande uso até hoje quando os instrumentos eletrônicos invadiram esse espaço. Ele teve ilustres parceiros musicais, o maior deles foi o Humberto Cavalcanti Teixeira cearense, advogado, político e compositor, fazendo parceria em composições consagradas como Asa Branca, 1947, considerada a obra prima da dupla.


Hábil sertanejo, não se fez de arrogante e foi buscar no meio cultural, José de Sousa Dantas Filho, jovem pernambucano, médico, poeta, folclorista brasileiro e compositor, com muitos sucessos em parceria com o Gonzagão, como assim era chamado, Acauã e Assum Preto, essa última de 1947, representam duas dos seus sucessos. Podíamos lembrar grandes personagens compositores que fizeram sucessos na voz do nosso mais ilustre representante do forró.


Antes de Gonzagão muitos artistas trabalharam e trabalham pela música do canto nordestino, instrumentistas como José Abdias de Farias, Abdias dos Oito baixos, acordeonista, compositor e produtor musical, formou com sua então esposa, Inês Caetano de Oliveira, Marinês, outro grande valor que atuou na música nordestina, fazendo abertura de shows do próprio Gonzagão, depois formando o conjunto conhecido como Marinês e sua gente.


A música nordestina atualmente operada com grandes talentos é o caso de Flavio José, meritório possuidor de grandes sucessos, tem gravado composições inclusive de outros autores, podemos referendar Tareco e Mariola, obra de Petrúcio Antonio de Amorim, compositor que vem se destacando pela coerência musical. Destacamos ainda, Vicente Nery, Dorgival Dantas, Jorge de Altino, Flávio Leandro e sua filha Sarah, lembrando ainda a talentosa paraibana Lucy Alves. Esse cast forma, em parceria com outros artistas, não menos importantes, na música nordestina, o que há de mais valioso nesse mercado.


Sou movido por um grande sentimento de perda, pois, me mantive ausente do meu mundo original, Nordeste, por razões estritamente profissionais, portanto, alheios a minha vontade; quando percebo que a nostálgica toma conta das minhas memórias aparece um sentimento de culpa a me cobrar por tudo àquilo que não fiz e não vivi.


O pior é que esse tempo pretérito não é recuperado, a minha consciência quererá cobrar um passivo que não tive culpa? Ou essa situação faz parte do resultado das nossas escolhas! Resta-me fazer os arranjos possíveis para conviver com a realidade que afeta muita gente, gostando ou não vou remando o barco em busca do porto seguro, por enquanto singrar os mares é a alternativa mais lúcida. Bom resto de São João e São Pedro que virá.


Genival Torres Dantas

Poeta e Escritor

genivaldantas.com.br

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